O Meu Dia Há-de Chegar
Chega para toda a gente, logo para mim também há-de chegar, mais cedo ou mais tarde.
Se puder escolher, quero que seja num dia de chuva intensa, um autentico dilúvio. Sempre ajuda, porque não quero muita gente à volta, principalmente aquelas pessoas que esperam por estes momentos para fazerem a sua aparição, apesar de não nos conhecerem de lado algum e até nem serem chegados a ninguém que lá se encontre.
De nada servirá irem “marcar o ponto”, até porque não tenho grandes riquezas materiais e não tenho por hábito alimentar abutres. As minhas riquezas residem em alguns sorrisos que fazia nascer nas faces de quem me rodeava em determinados momentos. A minha fortuna fica armazenada nas memórias, tanto boas como más, de quem conviveu comigo e que se mantém por aí.Quanto menos gente melhor, não quero cortejos nem filas de carros a passo lento. Nada disso.Não vai ser preciso música, o silêncio sempre me fez jus e raramente me falhou nos seus propósitos, quando por mim era invocado.
Não vou querer lágrimas. Derramei demasiadas e talvez tenha feito derramar muitas nestes anos, se calhar injustificadamente, chega de injustiças.Choradinhos forçados, rezas, promessas alheias e mezinhas também dispenso. Inconsequentes, quando não são feitos com sentimento e muito menos nestas alturas.
Não quero trompetes, harpas, cânticos, bandeiras a meia haste ou salvas de tiros para o ar. Não sou merecedor, não sou herói de coisa alguma nem de ninguém.
Tons negros de roupa só se for a de algum padre ou que essa seja a vestimenta habitual que alguém use por hábito ou gosto pessoal, e mesmo esses não serão obrigados a levar essas cores.
Tristeza? Tristezas não pagam dividas e já bastam as que me atormentam o dia-a-dia. E neste caso nem é que se perca alguma coisa de jeito.
No fim bastar-me-á reconhecer, ali por cima de mim, gargalhadas de alegria. Saudosismo e nostalgia nas antigas histórias que se repetem nos encontros de velhos e novos amigos, mas que despertam as memórias de bons momentos passados.Acima de mim, equilibrada sobre a terra molhada, será suficiente que fique apenas uma pedra cinzenta. Cinzenta como a minha passagem por cá. Não precisa ter nada escrito, nem nome nem datas para não se saber quem sou.
E flores também não quero... também elas morrem, de solidão.
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